O impacto que o câncer pode causar nos músculos do assoalho pélvico

O câncer traz inúmeros desafios físicos e emocionais — e um dos menos comentados é o impacto que tratamentos como a quimioterapia e a radioterapia podem causar nos músculos do assoalho pélvico. Neste artigo, explicamos de forma leve e informativa como essas alterações podem afetar continência, sexualidade e autoestima, além de mostrar como a fisioterapia pélvica pode ser uma grande aliada na recuperação da qualidade de vida.

Fisioterapeuta Pélvica Joyce Andrade Oliveira

9/21/20254 min read

Histórias de superação emocionam e inspiram. Recentemente, acompanhamos o tratamento de Edu Guedes, que enfrentou o câncer com coragem e ao lado de sua parceira Ana Hickmann — um casal que transmite união em cada fase dessa jornada. Assim como ele, muitas figuras públicas no Brasil já compartilharam suas batalhas: Reynaldo Gianecchini, Drica Moraes, Patrícia Pillar, Ana Maria Braga, Heloísa Périssé e a jovem Isabel Veloso. Cada relato mostra não só a luta individual, mas também a importância de falar sobre o tema e acolher quem passa por esse caminho.

O câncer não afeta apenas quem recebe o diagnóstico: ele atravessa famílias, redes de amigos e relacionamentos, exigindo força coletiva. Muito se fala sobre efeitos da quimioterapia e da radioterapia na imunidade, nos cabelos e na disposição, mas há um impacto ainda pouco discutido: como esses tratamentos atingem os músculos do assoalho pélvico, influenciando continência, vida sexual e autoestima.

Como o tratamento do câncer pode impactar o assoalho pélvico?

O assoalho pélvico é formado por músculos e tecidos que garantem funções vitais:

  • Sustentação dos órgãos pélvicos (bexiga, útero, reto).

  • Controle urinário e fecal.

  • Resposta sexual e prazer.

  • Estabilização postural do corpo.

Durante tratamentos oncológicos, especialmente em cânceres ginecológicos, urológicos e colorretais, alterações importantes podem ocorrer:

  • Perda de fibras musculares e enfraquecimento → aumenta o risco de incontinência urinária ou fecal.

  • Estenose vaginal → comum após radioterapia pélvica em mulheres, causa estreitamento e dor durante a relação sexual.

  • Ressecamento e alterações de sensibilidade na região íntima, por efeito de quimio, rádio ou alterações hormonais.

  • Cicatrizes e aderências cirúrgicas, que reduzem a mobilidade e a elasticidade dos tecidos.

  • Fadiga muscular generalizada, relatada em até 70% dos pacientes em quimioterapia, que compromete não só a força global, mas também a resistência do assoalho pélvico.

Por que isso importa?

Essas alterações impactam diretamente:

  • A qualidade de vida: desde ir ao banheiro com segurança até praticar esportes.

  • A atividade sexual: parte essencial da intimidade, prazer e autoestima.

  • A confiança no próprio corpo: especialmente após meses de tratamento desgastante, em que muitos pacientes relatam medo de retomar a vida normal.

Segundo a European Society for Medical Oncology (ESMO, 2022), até 40% das mulheres submetidas à radioterapia pélvica apresentam disfunções sexuais persistentes, e cerca de 30% desenvolvem incontinência urinária. Esses números reforçam a necessidade de incluir a reabilitação pélvica no cuidado oncológico.

Onde entra a fisioterapia pélvica?

A fisioterapia pélvica é uma grande aliada na recuperação pós-tratamento, oferecendo recursos que ajudam a restaurar funções, aliviar sintomas e resgatar autoestima. Entre eles:

  • Exercícios específicos de fortalecimento do assoalho pélvico.

  • Técnicas manuais para melhorar a mobilidade dos tecidos e reduzir aderências.

  • Uso de dilatadores vaginais e laser terapêutico, quando indicados, para prevenir ou tratar estenose vaginal.

  • Treinamento miccional e estratégias para controle de incontinência.

  • Educação corporal e consciência pélvica, fundamentais para o retorno da vida sexual.

Por isso…

Falar sobre câncer exige coragem, mas também acolhimento e informação de qualidade. Admirar histórias de superação, como a de Edu Guedes, é inspirador, mas é igualmente importante trazer à luz os desafios menos discutidos — como os impactos sobre o assoalho pélvico.

👉 Cuidar dessa região é parte essencial da reabilitação. Porque saúde não é apenas ausência de doença: é viver com dignidade, confiança e prazer.

Perguntas frequentes (FAQ)

1. Todos os tipos de câncer afetam o assoalho pélvico?
Não. O impacto é maior nos cânceres localizados na pelve (ginecológicos, colorretais, urológicos). Porém, a fadiga muscular e os efeitos da quimioterapia podem afetar a força global, incluindo o assoalho pélvico.

2. A incontinência urinária ou fecal após o tratamento é definitiva?
Não necessariamente. Muitos casos podem ser tratados com fisioterapia pélvica e mudanças de estilo de vida, melhorando bastante a qualidade de vida.

3. Homens também podem ter alterações no assoalho pélvico após o câncer?
Sim. Após cirurgias de próstata ou radioterapia pélvica, os homens podem apresentar incontinência urinária, disfunção erétil ou dor pélvica, e também se beneficiam da fisioterapia.

4. O ressecamento vaginal é só consequência da idade?
Não. Tratamentos como quimioterapia, radioterapia ou supressão hormonal podem causar ressecamento e alterações de sensibilidade em mulheres jovens também.

Mitos e Verdades

“Falar sobre sexualidade durante o tratamento é futilidade.”
Pelo contrário: a sexualidade faz parte da saúde integral e precisa ser abordada sem tabu.

“Se eu tive câncer, nunca mais vou poder ter relações sexuais satisfatórias.”
Isso é mito. Com fisioterapia, acolhimento e recursos adequados, é possível retomar a vida sexual com prazer e segurança.

✔️ “A fisioterapia pélvica pode ajudar tanto mulheres quanto homens.”
Verdade. Homens em pós-operatório de próstata e mulheres após radioterapia pélvica, por exemplo, respondem muito bem ao tratamento.

✔️ “Cuidar do assoalho pélvico também é cuidar da autoestima.”
Verdade. Recuperar continência, conforto e prazer impacta diretamente a confiança e a qualidade de vida.

Referências
  • ESMO Guidelines Committee. Supportive and palliative care: management of long-term toxicities in cancer survivors. Ann Oncol. 2022;33(12):1217-30. doi:10.1016/j.annonc.2022.09.198.

  • Kirchheiner K, Nout RA, Tanderup K, Lindegaard JC, Westerveld H, Haie-Meder C, et al. Health-related quality of life and sexual functioning after definitive radiotherapy ± chemotherapy with image-guided adaptive brachytherapy for locally advanced cervical cancer: an analysis from the EMBRACE study. Lancet Oncol. 2015;16(1):64-73. doi:10.1016/S1470-2045(14)71181-8.

  • Donovan KA, Boyington AR, Judson PL, Wyman JF. Bladder and bowel symptoms in gynecologic cancer survivors: a systematic review. Oncol Nurs Forum. 2014;41(6):615-25. doi:10.1188/14.ONF.615-625.

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  • Bernardes NO, Haddad JM, Juliato CRT, Castro R de A. Pelvic floor rehabilitation in gynecological cancer survivors: a systematic review. Int Urogynecol J. 2020;31(2):213-22. doi:10.1007/s00192-019-04033-0.