Vaginismo e Dor na Penetração: Mitos, Causas e a Cura pela Fisioterapia Pélvica
Vaginismo e penetração: Cansada da dor? Desvendamos mitos sobre a dificuldade de penetração e mostramos como a Fisioterapia Pélvica é o caminho seguro para a cura e o prazer.
Fisioterapeuta Pélvica Joyce Andrade Oliveira
10/13/20259 min read
O que está acontecendo?
Quando somos adolescentes, muitos de nós crescemos ouvindo que a primeira relação sexual “vai doer”. Preparamo-nos para esse ato tão contraditório, que promete dor e sangue, mas também prazer.
É quase um rito de passagem: “Primeiro vem a dor, depois o rompimento do hímen, em seguida o sangue. Não se assuste! Talvez não seja muito bom na primeira vez, mas logo você se acostuma...”
Mas com que idade — ou depois de quantas tentativas — você percebeu que os filmes, novelas e até algumas conversas estavam errados? Que essa narrativa é uma generalização enorme, que apaga a individualidade e a singularidade da experiência sexual de cada mulher?
Existem diversas possibilidades quando pensamos no início da vida sexual — e espero que o seu tenha acontecido de forma consciente, com segurança, consentimento e proteção, para que nada indesejado ocorra.
Hoje vamos falar sobre um tema muito mais comum do que se imagina: o vaginismo — condição que, no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), é classificada dentro da categoria de transtorno de dor genitopélvica/penetração.
O vaginismo é caracterizado por contrações involuntárias dos músculos da vagina, especialmente do assoalho pélvico, que dificultam ou impedem a penetração vaginal — seja durante a relação sexual, o exame ginecológico ou até a introdução de um absorvente interno.
É um dos transtornos psicossexuais femininos mais comuns e pode causar dor, medo, ansiedade, sofrimento emocional e problemas de relacionamento. Em alguns casos, o vaginismo também pode impactar o desejo sexual e contribuir para a infertilidade, já que a penetração se torna impossível.
Descrição do vídeo: clipe da música "The C-Word" com cenas do filme "Lady Parts" dirigido por Nancy Boyd, este é um longa-metragem de comédia dramática sobre a vida sexual de uma jovem que se torna um assunto de família quando ela precisa se submeter a uma vestibulectomia vulvar.
Por que acontece?
Acontece devido a uma contração involuntária e persistente dos músculos do assoalho pélvico ao redor da vagina, sempre que a penetração (seja do pênis, dedo, absorvente interno ou espéculo ginecológico) é tentada ou até mesmo imaginada. Essa contração funciona como um mecanismo de defesa corporal contra o que o cérebro percebe como uma ameaça ou dor, dificultando ou impedindo a penetração.
O vaginismo está inserido dentro do espectro dos transtornos de dor genitopélvica e/ou penetração (TDGPP). É um distúrbio multifatorial, ou seja, uma combinação complexa entre causas físicas, emocionais e relacionais. Entre os fatores mais comuns estão:
1. Fatores Psicológicos e Emocionais (Causas Mais Comuns)
O vaginismo é frequentemente um distúrbio de origem psicossomática, em que a ansiedade e o medo se manifestam como dor física e tensão muscular. Os principais gatilhos incluem:
Ansiedade de Desempenho e Medo da Dor (Fobia): É a causa mais comum. A antecipação de que a penetração será dolorosa (por experiências passadas ou medo infundado) gera uma ansiedade que leva à contração reflexa dos músculos. Isso cria um "Ciclo da Dor": Medo, Tensão Muscular, Dor Real, Mais Medo.
Experiências Traumáticas:
Histórico de abuso ou trauma sexual (em qualquer idade).
Experiências sexuais iniciais muito dolorosas ou insatisfatórias.
Exames ginecológicos anteriores dolorosos ou invasivos.
Educação Rígida ou Negativa sobre Sexo:
Crenças religiosas ou culturais que associam o sexo ao pecado, à culpa ou a algo "sujo", gerando um bloqueio psicológico profundo.
Falta de conhecimento sobre a própria anatomia e o ato sexual.
2. Fatores Físicos
Embora menos comuns como causa primária, algumas condições físicas podem levar a dor na penetração (Dispareunia), que, por sua vez, pode evoluir para o vaginismo (tipo secundário).
Condições que Causam Dor Crônica:
Infecções vaginais ou urinárias de repetição (como candidíase ou cistite).
Endometriose ou Síndrome da Dor Pélvica Crônica.
Vulvodínia (dor crônica na região da vulva).
Pós-Parto ou Menopausa:
Cicatrização dolorosa de episiotomia ou laceração.
Atrofia vaginal ou secura na menopausa devido à deficiência hormonal.
Tipos de Vaginismo
O vaginismo pode se manifestar de diferentes formas, e compreender esses tipos é essencial para direcionar o tratamento adequado. De modo geral, ele é classificado em dois tipos principais:
🔹 Vaginismo primário
Ocorre quando a mulher nunca conseguiu ter penetração vaginal, seja com o pênis, o dedo ou até mesmo com o espéculo ginecológico. Normalmente, é identificado logo no início da vida sexual, quando a penetração se mostra impossível ou extremamente dolorosa, gerando medo e frustração.
Em muitos casos, a mulher com vaginismo primário antecipa a dor antes mesmo da tentativa, e o corpo responde com uma contração involuntária e protetora — como se dissesse “não entre”.
🔹 Vaginismo secundário
Nesse caso, a mulher já conseguia ter penetração sem dificuldades, mas passa a apresentar dor ou impossibilidade após algum evento específico. Entre as causas mais comuns estão traumas emocionais ou sexuais, infecções vaginais recorrentes, partos, cirurgias ginecológicas ou até mudanças hormonais, como as que ocorrem na menopausa. O corpo, diante da dor, passa a associar a penetração a um desconforto, e a musculatura vaginal reage de forma involuntária para “se proteger”.
Embora os mecanismos físicos sejam semelhantes, o contexto emocional e o histórico pessoal de cada mulher são o que realmente orientam o processo terapêutico. Gosto sempre de enfatizar que, a todo custo, seu corpo está tentando te proteger. É como se dentro de você existissem duas partes: uma selvagem, instintiva e protetora, e outra consciente, racional e emocional.
Em algum momento, essa parte consciente sentiu dor, medo ou rejeição, e, apavorada, fugiu — esquecendo de avisar à parte selvagem que nem toda penetração significa dor.
A parte selvagem, fiel à sua função de proteção, passou então a trancar a porta com toda a força, impedindo que algo “de fora” se aproxime novamente.
Mas é justamente a parte consciente que tem a chave para destrancar essa porta — e, com cuidado, respeito e tratamento adequado, decidir quando e como abri-la, sem medo, sem pressa e sem dor.
O caminho para a cura
Reconectar essas duas partes — a selvagem e a consciente — é justamente o papel central do tratamento. É um processo de reconciliação entre o corpo que se defende e a mente que quer confiar novamente. Esse reencontro é divertidamente ilustrado no filme Lady Parts, dirigido por Nancy Boyd, em que a vida sexual de uma jovem se torna um tema familiar quando ela precisa se submeter a uma vestibulectomia vulvar. Entre constrangimentos, dores e redescobertas, o filme mostra com sensibilidade como o corpo feminino, tantas vezes silenciado, reage com medo, tensão e autoproteção, mas também tem a capacidade de reaprender o prazer e o pertencimento.
Tudo bem que, no caso da personagem de Lady Parts, foi retratada uma disfunção grave e persistente, que acabou exigindo uma cirurgia. Mas, calma! ✋ Esses casos são raros — e, ainda assim, é importante lembrar que há tratamento e esperança. Que bom que existem caminhos e profissionais preparados para acolher e intervir quando necessário.
O trabalho da fisioterapia pélvica atua como um verdadeiro convite à reconexão. Por meio de técnicas de respiração, consciência corporal, alongamentos e dessensibilização gradual, o corpo começa a compreender que abrir a “porta” não precisa mais ser doloroso nem ameaçador. Cada sessão é um passo de retorno a si mesma — um movimento de transformar dor em confiança, medo em escuta e o corpo em lar novamente. Um lar de segurança, prazer e autonomia, onde o toque, o desejo e o amor próprio voltam a coexistir de forma natural.
A fisioterapia pélvica é uma parte essencial do tratamento porque atua na reeducação muscular e sensorial da região vaginal. Entre as técnicas utilizadas estão:
Exercícios de consciência corporal e relaxamento pélvico;
Treino de contração e relaxamento voluntário dos músculos do assoalho pélvico;
Uso progressivo de dilatadores vaginais;
Biofeedback e eletroterapia, quando indicado;
Orientação sexual e postural, em parceria com a terapia sexual.
O objetivo é restaurar a confiança corporal, reduzir o medo e devolver à mulher o controle sobre o próprio corpo e prazer.
Um tratamento que vai além do físico
Tratar o vaginismo é mais do que eliminar a dor — é reconstruir a relação com o corpo, com o parceiro e com a própria sexualidade. O ideal é considerar a mulher de forma integral, levando em conta:
Aspectos emocionais, psicológicos e de relacionamento;
Fatores socioculturais e religiosos;
Histórico de vida e experiências sexuais prévias;
Expectativas e valores pessoais sobre sexualidade e prazer (Basson, 2003).
Perguntas frequentes
1. Será que o que eu tenho é vaginismo mesmo, ou só medo da penetração?
Essa é uma dúvida muito comum. O vaginismo envolve contrações involuntárias dos músculos da vagina, que impedem ou dificultam a penetração. Já o medo da penetração, por si só, pode causar tensão, mas não necessariamente uma contração reflexa. Em muitos casos, os dois coexistem — o medo causa a tensão, e o corpo responde com o fechamento involuntário.
Somente uma avaliação profissional (com fisioterapeuta pélvica e/ou terapeuta sexual) pode identificar o que está acontecendo no seu caso.
2. É possível ter desejo sexual e mesmo assim ter vaginismo?
Sim! 💗Muitas mulheres com vaginismo sentem desejo, prazer e excitação, mas o corpo “trava” na hora da penetração. O desejo sexual e o reflexo de defesa do assoalho pélvico são processos diferentes. Por isso, o tratamento não busca “forçar a penetração”, e sim reconstruir a confiança corporal e devolver o prazer de forma segura.
3. O vaginismo tem cura?
Sim — e o prognóstico é muito positivo! Com acompanhamento adequado, a maioria das mulheres supera o vaginismo completamente. O tratamento envolve fisioterapia pélvica, terapia sexual e educação corporal, em um processo gradual e respeitoso. O tempo varia de pessoa para pessoa, mas o importante é saber que o vaginismo não é permanente.
4. Posso ter orgasmo mesmo com vaginismo?
Sim, é possível. Algumas mulheres com vaginismo conseguem atingir o orgasmo sem penetração, através da estimulação externa do clitóris ou outras formas de prazer. O orgasmo não depende exclusivamente da penetração, e muitas descobrem novas formas de prazer durante o processo terapêutico.
5. A fisioterapia dói?
Essa é uma das maiores preocupações — e a resposta é não. O trabalho da fisioterapia pélvica é respeitoso, gradual e sem dor. As sessões podem incluir exercícios de respiração, percepção corporal, treino muscular e, quando for o momento certo, uso de dilatadores vaginais — sempre com consentimento e conforto.Nada é feito sem que você esteja pronta.
6. Preciso de acompanhamento psicológico junto com a fisioterapia?
Em muitos casos, sim. O vaginismo costuma envolver fatores emocionais, psicológicos e relacionais, e a terapia ajuda a tratar as causas mais profundas — como medo, ansiedade, culpa ou traumas.
A fisioterapia e a psicoterapia se complementam, unindo corpo e mente no mesmo processo de cura.
7. Meu parceiro (ou parceira) pode participar do tratamento?
Pode, e isso costuma ajudar muito. ❤️O envolvimento do parceiro(a) reforça o vínculo, o apoio emocional e o respeito pelo tempo da mulher. Em algumas etapas, o terapeuta pode orientar o casal sobre como participar da dessensibilização ou das práticas de relaxamento em conjunto, de forma segura e afetuosa.
8. Vou conseguir ter uma vida sexual normal depois do tratamento?
Sim! O objetivo é justamente devolver autonomia, prazer e naturalidade à sua vida sexual. A penetração deixa de ser uma ameaça e volta a ser uma escolha livre e confortável. Mais do que “voltar ao normal”, o processo terapêutico costuma resultar em maior autoconhecimento e conexão com o próprio corpo.
✨ Lembre-se: o vaginismo não é falta de vontade, frescura ou bloqueio psicológico simples.
É uma resposta do corpo que pode ser compreendida, acolhida e transformada — com informação, cuidado e tratamento especializado.
Referências:
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Fisioterapia no tratamento do vaginismo: uma revisão integrativa.
Revista Brasileira de Sexualidade Humana. 2020;31(1):25–33.Boyd, Nancy. (Direção).
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(Comédia dramática que aborda a vida sexual de uma jovem submetida a uma vestibulectomia vulvar).Goldstein, A. T.; Pukall, C. F.; Goldstein, I.
Female Sexual Pain Disorders: Evaluation and Management.
Hoboken, NJ: Wiley-Blackwell; 2011.

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