A história dos exercícios do MAP
Fisioterapeuta Pélvica Joyce Andrade Oliveira
10/22/20246 min read


Eu pensava assim:
Antes da faculdade, eu acreditava que vagina e vulva ficariam cada vez mais “foló”: frouxas, capengas, frágeis e inconsistentes. O futuro parecia desanimador para uma jovem idosa em potencial! Mas nunca fui do tipo que se conforma com a ideia de que o único caminho é uma mesa cirúrgica. Foi então que, na disciplina de Saúde da Mulher, descobri o treinamento dos músculos do assoalho pélvico.
Vamos detalhar a história dos exercícios pélvicos, que o Dr. Arnold Kegel descobriu, e como J. Laycock expandiu essa avaliação com o esquema PERFECT. Ao pesquisar sem critério, logo aparecem termos como pompoarismo ou exercícios de Kegel. Se você leu o artigo anterior, já sabe: pompoarismo não é o mesmo que treino do assoalho pélvico. E mesmo Kegel, que parecia ser “o” caminho, não é a resposta completa.
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De Kegel a Laycock
Os Exercícios de Kegel e os métodos de avaliação e reabilitação dos músculos do assoalho pélvico (MAP) destacam-se pelo papel fundamental no tratamento da incontinência urinária e dos prolapsos dos órgãos pélvicos, com benefícios amplamente comprovados para a saúde feminina e a função sexual.
Entre os métodos disponíveis, o esquema PERFECT (Power, Endurance, Repetitions, Fast contractions, Every Contraction Timed) tornou-se referência na avaliação e no treinamento dos MAP, apresentando validade em comparação com métodos objetivos como perineômetros, cones vaginais e dispositivos de biofeedback (eletromiografia, manometria, realidade virtual). As evidências atuais reforçam a importância de programas individualizados de fisioterapia pélvica, capazes de melhorar significativamente a qualidade de vida, especialmente em mulheres idosas, apesar dos desafios de adesão.
Os exercícios de Kegel foram criados pelo ginecologista Dr. Arnold Kegel na década de 1940. Ele propôs o treinamento regular dos músculos do assoalho pélvico para restaurar força e tônus, prevenindo a incontinência urinária e o prolapso vaginal. Kegel observou que instruções verbais ou escritas eram insuficientes para o aprendizado correto da contração do MAP em até 40% das pacientes e que, em cerca de 50% dos casos, a contração era realizada com músculos acessórios do abdômen ou glúteos — o que, muitas vezes, agravava os sintomas.
Para solucionar essa dificuldade, Kegel desenvolveu o perineômetro, o primeiro dispositivo de biofeedback, capaz de registrar a força da contração e auxiliar o paciente na consciência corporal e no controle muscular adequado. Essa inovação foi uma das maiores contribuições para o tratamento das disfunções pélvicas e foi comercializada por cerca de 30 anos.
Décadas depois, J. Laycock aprimorou essa abordagem com o esquema PERFECT, tornando a avaliação digital mais sistematizada, mensurável e clinicamente aplicável. O método analisa parâmetros como força (Power), resistência (Endurance) e velocidade de resposta (Fast contractions), distinguindo as fibras musculares lentas (Tipo I) e rápidas (Tipo II) do assoalho pélvico. Essa estrutura metodológica permitiu a criação de protocolos precisos e individualizados, alinhados aos princípios do treinamento muscular.
De fato, Kegel, em parceria com Van Skolkvik, lançou as bases do conceito de biofeedback e da reeducação muscular pélvica. No entanto, foi Laycock e Jerwood (2001) quem consolidaram o modelo de treino individualizado, considerando resistência, frequência, potência, número de repetições e, principalmente, a carga ideal para cada paciente — um marco na evolução da fisioterapia pélvica moderna.
A Pelvic mãe quem me contou...
Mas o mais fascinante dessa história não é Kegel, nem Skolkvik, nem mesmo Laycock.
As verdadeiras pioneiras foram mulheres de uma tribo da África do Sul, estudadas por Van Skolkvik em 1948 — muito antes de os “Exercícios de Kegel” ganharem fama.
Essa história, que conheci durante o curso “Treinamento dos Músculos do Assoalho Pélvico: de antes de Kegel até hoje”, ministrado pela brilhante Prof.ª Dr.ª Adriana Saraiva, que carinhosamente eu a chamo de Pelvic Mãe, mostra que o conhecimento empírico feminino sobre o corpo e o parto é milenar e profundamente sábio.
Naquela comunidade africana, o cuidado pós-parto era conduzido pela mãe, sogra ou curandeira — mulheres experientes que compreendiam o corpo feminino de forma integral. Logo após o parto, elas realizavam massagens internas no períneo e pediam que a puérpera contraísse os dedos inseridos, estimulando a sensibilidade e a força dos músculos pélvicos.
Era uma prática simples, porém profundamente fisiológica: reativar a musculatura, restaurar o canal vaginal e prevenir disfunções.
E o mais impressionante? Mesmo após múltiplos partos — às vezes seis, sete ou mais —, essas mulheres raramente apresentavam lacerações perineais, incontinência urinária ou prolapsos dos órgãos pélvicos. Enquanto isso, em países ocidentais, mulheres jovens e até nulíparas já começavam a relatar sinais de enfraquecimento pélvico.
Esse contraste chamou a atenção de Skolkvik, que documentou os resultados e inspirou décadas de pesquisas sobre a função do assoalho pélvico, a importância da consciência corporal feminina e o impacto do treinamento muscular na prevenção de disfunções. De certa forma, foi a partir da observação dessas mulheres africanas — e da sabedoria transmitida de mãe para filha — que a ciência moderna começou a compreender o poder do exercício pélvico consciente.
Hoje, quando falamos em fisioterapia pélvica baseada em evidências, estamos, na verdade, reafirmando um saber ancestral. O que a ciência comprovou com perineômetros e esquemas de avaliação, elas já sabiam de forma intuitiva, sensível e comunitária. Um legado feminino que atravessou o tempo e segue inspirando a forma como cuidamos do corpo e da saúde pélvica até hoje.
Perguntas Frequentes sobre os Exercícios do Assoalho Pélvico
1. Os exercícios de Kegel são a mesma coisa que pompoarismo?
Não. O pompoarismo tem origem cultural e foco erótico; já os Exercícios de Kegel têm base médica e científica, com o objetivo de fortalecer o assoalho pélvico e tratar disfunções como incontinência urinária e prolapsos.
2. Homens também têm assoalho pélvico?
Sim! Embora mais falado entre mulheres, o assoalho pélvico masculino também controla continência e função sexual. Exercícios pélvicos ajudam no tratamento de disfunções eréteis e pós-prostatectomia.
3. É possível treinar o assoalho pélvico sozinha em casa?
Sim, mas o ideal é uma avaliação fisioterapêutica especializada. Muitas pessoas fazem a contração errada (usando glúteos ou abdômen), o que pode piorar os sintomas.
4. Quantas vezes por semana devo fazer os exercícios?
Depende da avaliação individual. O protocolo mais comum é diário, com séries curtas e supervisionadas. O importante é constância e execução correta.
5. Existe idade ideal para começar?
Não! Qualquer pessoa pode se beneficiar — desde jovens com práticas esportivas até mulheres no pós-parto ou idosas com incontinência.
Referências
Descoberta maravilhosa:
Essas histórias estão registradas nas obras originais de Arnold H. Kegel e em revisões atuais disponíveis na PubMed e na Cochrane Library. Embora exista também uma versão que cita os taoístas da China antiga — como aparece na Wikipedia —, até o momento não encontrei fontes oficiais que confirmem essa origem. Como os exercícios para o assoalho pélvico são frequentemente comparados (e por vezes confundidos) com o pompoarismo, essas narrativas acabam se entrelaçando e gerando diferentes versões da mesma história.
A versão em que acredito é a que aparece nas notas de rodapé dos textos originais de Kegel, às quais minha professora tem acesso direto. Elas mencionam as observações feitas por Van Skolkvik (1948) e reforçam a importância das mulheres africanas estudadas naquela época como as verdadeiras pioneiras do fortalecimento perineal.
E não é incrível pensar que nossas ancestrais já sabiam — na prática! — que o destino da vagina nunca foi ser “xôxa”? O treino do assoalho pélvico e a massagem perineal já foram gestos instintivos e comunitários, passados de geração em geração como parte natural do cuidado com o corpo.
Meu desejo é que a gente reaprenda a se reconectar com esse instinto saudável — que compreende o corpo como território de força, prazer e vitalidade. Afinal, nossa história mostra que prazer, força e vida sempre estiveram em nós.
Referências:
Kegel AH. Progressive resistance exercise in the functional restoration of the perineal muscles. Am J Obstet Gynecol. 1948;56(2):238-248. PMID: 1887711
Laycock J, Jerwood D. Pelvic floor muscle assessment: the PERFECT scheme. Physiotherapy. 2001;87(12):631–642. PMID: 11794230
Dumoulin C, et al. Pelvic floor muscle training versus no treatment for urinary incontinence in women. Cochrane Database Syst Rev. 2022;(5): CD005654. doi:10.1002/14651858.CD005654.pub5.
WIKIPÉDIA. Exercícios de Kegel. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Exerc%C3%ADcios_Kegel. Acesso em: 4 out. 2025.
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