Parto com movimento (ILUSTRADO): como posições verticais e mobilidade reduzem a dor e aceleram a dilatação no trabalho de parto

O que a ciência e a prática revelam sobre o poder da fisioterapia obstétrica durante o parto ativo — tanto em maternidades públicas quanto privadas!

Fisioterapeuta Pélvica Joyce Andrade Oliveira

9/15/20258 min read

woman in black shirt showing her breast
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O corpo não foi feito para parir parado, você já pensou sobre isto? A ciência mostra que se movimentar — seja caminhar pelo quarto, agachar, sentar na bola ou simplesmente mudar de posição — faz toda a diferença: ajuda a aliviar a dor, favorece a dilatação e até reduz o risco de intervenções desnecessárias, a exemplo do uso de fórceps ou cesarianas. Estudos nacionais e internacionais confirmam que mulheres ativas durante o trabalho de parto têm mais controle sobre o processo, solicitam menos analgesia e aumentam as chances de um parto normal, seguro e positivo.

Tudo bem, ninguém quer ser comparada com uma vaca ou uma morsa, mas o que esses animais têm em comum com a gente é o ato de parir e amamentar. Hoje nos ateremos exclusivamente ao ato de parir. Busque no YouTube, ou de repente no canal de TV Animal Planet, animais mamíferos dando à luz aos seus bebês.

Se a gente observar, a maioria dessas mamães selvagens, no momento em que estão para expulsar os filhotes, buscam primeiro isolar-se, buscar um local seguro, começam a ficar inquietas e a moverem-se pelo ambiente, até chegar o momento do expulsivo, no qual começam a demonstrar sinais de exaustão e deitam-se de lado, movem suas patas ou suas nadadeiras de um lado para o outro na tentativa de empurrar o bebê para fora de si. Até que, finalmente, o filhote sai e, junto dele, vem a placenta; essa mãe retoma uma expressão de neutralidade (eu gosto de pensar que seja de alívio).

Agora vamos analisar passo a passo do processo do parto delas... não me ache louca ainda! Veja bem, elas sentem que inicia o trabalho de parto quando vêm as contrações. Logo elas buscam um lugar seguro, caminham para lá e para cá. Apenas no momento final elas deitam, de lado, e movem-se para um lado e outro como forma de favorecer a expulsão da cria.

Costume de cinema!

Quando pensamos na experiência humana de parir, já pensamos logo em qual maternidade iremos escolher, quem será o médico(a), enfermeiro(a), doula e companheiro(a) que irá nos acompanhar, se o local tem anestesista, e se o local conta com bons cirurgiões obstétricos. Começamos a institucionalizar o parto antes mesmo que a data esteja próxima. Embora hoje em dia esta realidade tenha mudado, mesmo que tímida. Já temos muitos trabalhos científicos atuais comprovando o quão importante é para a saúde física e mental da mãe e do bebê que eles mesmos sejam os protagonistas ativos do processo. 

Eu adoro assistir televisão e séries, mas tem algo nas produções cinematográficas que me incomoda muito: a representação do parto. Quando a personagem vai dar a luz ao bebê por via vaginal, eles dão a entender que, minutos depois que a bolsa estourar, o bebê irá sair, que deve-se correr para o hospital e cometer algumas atrapalhadas pelo caminho. Trabalho de parto não é "rápidos", e nem sempre começa com a bolsa estourando. Uma em um milhão pode chegar a parir sem sentir dores, com muita rapidez e fluidez; algumas mães saem no jornal porque descobriram a gestação no dia do nascimento do bebê. E se aparecem no jornal é porque a coisa é rara e incomum! 

Trabalho de parto começa com o nome apropriado: trabalho. O tempo de duração do trabalho de parto pode variar muito de uma mulher para outra e depende de vários fatores — como se é o primeiro parto, a posição do bebê, o ritmo das contrações, o uso de métodos de alívio da dor e o apoio recebido. De forma geral:

  • 🩺Trabalho de parto ativo (fase de dilatação) — costuma durar de 4 a 8 horas em mulheres que estão tendo o primeiro bebê e pode ser mais curto (cerca de 3 a 5 horas) em partos subsequentes.

  • 👶 Período expulsivo (quando o bebê nasce) — pode durar de 30 minutos a 2 horas no primeiro parto e tende a ser mais rápido nos próximos (geralmente até 1 hora).

  • 🕓 A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera normal que, em condições seguras e sem sofrimento materno ou fetal, o parto possa durar até 12 horas no primeiro filho e um pouco menos nos seguintes.

Mobilidade é o poder de reduzir o tempo de espera.

Como nossas amigas mamíferas de outras espécies nos ensinam, a mobilidade não é apenas “ficar em pé”: é escutar o corpo e permitir que ele encontre, a cada momento, a posição mais confortável e eficaz. Isso significa experimentar, ajustar e confiar nos sinais que surgem durante o trabalho de parto.

  • Andar pelos corredores → o simples ato de caminhar ajuda o bebê a descer na pelve e mantém as contrações mais ritmadas. Muitas mulheres relatam que a caminhada entre uma contração e outra também reduz a ansiedade.

  • Se apoiar na parede ou no parceiro → inclinar-se para frente durante a contração alivia a pressão lombar. Além disso, o contato físico com quem acompanha traz segurança emocional e sensação de acolhimento.

Fonte: Desenho elaborado por Joyce Andrade Oliveira, inspirado em imagens do livro de CALAIS-GERMAIN, Blandine; PARÉS, Núria Vives. A pelve feminina e o parto: compreendendo a importância do movimento pélvico durante o trabalho de parto. Barueri: Manole, 2013.

  • Agachar → a posição de cócoras amplia o diâmetro da pelve em até 30%, segundo estudos biomecânicos, facilitando o encaixe do bebê. Esse movimento pode ser feito com apoio em barras, na beira da cama ou mesmo segurando as mãos do acompanhante.

  • Usar a bola de pilates → sentar-se na bola permite movimentos de balanço e rotação da pelve, que ajudam a aliviar a dor e a favorecer a progressão da dilatação. É um recurso simples, mas que aumenta muito o conforto.

  • Apoiar-se em quatro apoios (posição de “gatinho”) → além de reduzir a pressão sobre a lombar, pode ajudar em casos de dor intensa nas costas ou quando o bebê está em posição posterior (de “costas para a mãe”).

  • Alternar posições conforme a dor aparece → não existe “posição correta” única. O importante é respeitar a variabilidade do corpo: levantar-se, deitar de lado, ajoelhar, repetir movimentos. Cada mudança favorece a circulação, melhora a oxigenação e dá à mulher maior sensação de controle.

                     Fonte: Elaboradas pela autora com base em Calais-Germain e Parés (2013).

👉 Essas escolhas não são apenas ajustes posturais: elas facilitam o encaixe do bebê, permitem que a gravidade colabore com a fisiologia do parto e, sobretudo, reafirmam que a mulher é protagonista do processo. Mais do que biologia, trata-se de um ato de autonomia, confiança e conexão com o próprio corpo.

O que dizem os estudos?

📊 Pesquisas reforçam a importância do movimento no trabalho de parto:

  • Redução do tempo de trabalho de parto → Gupta et al. (2018) identificaram que mulheres que adotam posições verticais e se movimentam ativamente durante a fase ativa podem reduzir em até 1 hora a duração dessa etapa. Na prática, significa menos desgaste físico e emocional, além de maior fluidez no processo de dilatação.

  • Menor necessidade de analgesia → A revisão Cochrane aponta que gestantes em posição vertical têm 28% menos chance de solicitar analgesia farmacológica. Isso acontece porque a mobilidade melhora a circulação sanguínea, aumenta a oxigenação do útero e proporciona alívio natural da dor.

  • Maior sensação de protagonismo → mulheres que se movimentam relatam mais controle e segurança sobre o parto. Esse fator subjetivo é crucial: sentir-se ativa e capaz reduz a ansiedade, fortalece o vínculo com a experiência e contribui para uma vivência mais positiva do nascimento.

👉 Em outras palavras, ficar parada pode prolongar o processo e intensificar a dor, enquanto o movimento coloca o corpo e a mente a favor da fisiologia do parto.

Desafios nas maternidades brasileiras

Mesmo com tantas evidências, muitas maternidades brasileiras ainda enfrentam barreiras importantes para garantir mobilidade no parto:

  • Falta de estrutura adequada → poucas contam com equipamentos simples como bolas, banquinhos de parto ou barras de apoio, que poderiam transformar a experiência da gestante.

  • Equipes pouco treinadas em parto ativo → ainda predomina a visão de que a mulher precisa “ficar deitada para facilitar a assistência”, quando na verdade o movimento facilita o trabalho de parto e reduz intervenções.

  • Cultura institucional restritiva → normas rígidas e rotinas hospitalares muitas vezes impedem a liberdade de posição, mesmo sem contraindicações clínicas.

Apesar dessas limitações, protocolos fisioterapêuticos podem ser aplicados com recursos simples, como:

  • Posições de alívio (ajoelhada com apoio, quatro apoios, cócoras),

  • Técnicas respiratórias que reduzem ansiedade e promovem oxigenação,

  • Incentivo à verticalidade, mesmo que apenas com caminhada ou apoio na parede.

👉 A boa notícia é que esse cenário está mudando. A ABRAFISM (Associação Brasileira de Fisioterapia na Saúde da Mulher) tem atuado ativamente na defesa da inserção da fisioterapia obstétrica no SUS, fortalecendo um modelo de cuidado humanizado, seguro e baseado em evidências. Se você está se preparando para o parto, leve em conta isto:

  • Aprenda posições que aliviam a dor (ajoelhada com apoio, de cócoras, em quatro apoios).

  • Se possível, leve uma bola de pilates para a maternidade.

  • Vá a pelo menos uma consulta na fisioterapia pélvica acompanhada do companheiro(a) para ele também aprender a ajudar no dia do parto.

  • Converse com a equipe sobre o seu desejo de se movimentar.

  • Procure profissionais que apoiem o parto ativo (doulas, fisioterapeutas e enfermeiras obstétricas).

Perguntas frequentes (FAQ)

1. É seguro se movimentar durante todo o trabalho de parto?
Sim — desde que não exista contraindicação médica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a mobilidade como parte da assistência humanizada, pois o movimento favorece a progressão do parto e o conforto da mulher.

2. Preciso de equipamentos especiais?
Não. Recursos simples, como se apoiar em cadeiras, paredes ou no acompanhante, já são suficientes. Se disponíveis, bolas, banquetas e barras podem ampliar as opções de postura e conforto.

3. E se a maternidade não permitir movimentação?
Inclua no seu plano de parto o desejo de se movimentar e adotar posições livres. Converse com a equipe antes do trabalho de parto para garantir que suas preferências sejam respeitadas, sempre com segurança.

⚠️ Erros Comuns

  • Acreditar que deitar é a única forma segura de parir.

  • Ignorar os sinais do corpo e permanecer imóvel.

  • Deixar de dialogar com a equipe sobre as posições desejadas.

  • Achar que o movimento aumenta riscos, quando na verdade pode reduzir intervenções e facilitar o parto.

Cultive seu poder

O parto não precisa ser passivo nem estático. Quando a mulher se movimenta, ela respeita a fisiologia do próprio corpo e permite que a gravidade e os mecanismos naturais do parto atuem a seu favor. Com o suporte da fisioterapia obstétrica, é possível transformar esse momento em uma experiência de autonomia, presença e confiança, reduzindo medos e ampliando o protagonismo da gestante.

Leituras relacionadas

Referências:
  • Delgado A, Lemos A. Assistance of the physiotherapist in labor: a systematic review. Int J Dev Res. 2021;11(8):49314-8. Available from: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11804556

  • Gupta JK, et al. Position in the second stage of labour for women without epidural anaesthesia. Cochrane Database Syst Rev. 2018;11:CD002006.

  • Lawrence A, et al. Maternal positions and mobility during first stage labour. Cochrane Database Syst Rev. 2013;10:CD003934.

  • Organização Mundial da Saúde. Intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: WHO; 2018.

  • ABRAFISM. Nota técnica sobre fisioterapia obstétrica no SUS. 2024.

sea lion on seashore during daytime
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