Exercícios específicos para I.U. : parte 1

Você sabe por onde começar quando o assunto é Treinamendo dos músculos do assoalho pélvico? Até inciou a terapia mas está perdidinha nos conceitos? Esse post pode te traumatizar! Mas com certeza irá responder suas inquetações.

Fisioterapeuta Pélvica Joyce Andrade Oliveira

10/30/202410 min read

Tenho incontinência urinária — e agora?

Imagine a cena: você está na academia realizando seu treino feliz e contente, quando de repente começa a realizar agachamento ou pulos no jump e percebe que um líquido quente escorreu por meio de suas pernas. Você pensa: “isso só pode ser xixi, o suor não escorreria assim.” Tenta disfarçar o constrangimento e convence a si mesma de que há uma remota possibilidade de ter sido apenas suor. Chegando em casa, ao olhar a roupa molhada e o local onde o líquido tinha escorrido, sente o cheiro e constata: “Meu Deus, era xixi, e agora?”.

Milhões de pensamentos vêm à cabeça: será que alguém percebeu o cheiro? Será que deixei o aparelho sujo? Será que isso é coisa da idade? Deveria escolher um exercício mais leve? E se eu deixar a academia? Não quero que notem algo de errado em mim e virar motivo de piada.

E se eu te garantir que você só precisaria mudar apenas uma coisa na sua rotina, o que parece um detalhe, mas faz toda a diferença: o Treinamento dos Músculos do Assoalho Pélvico (TMAP, ou PFMT em inglês). Seja qual for o tipo de incontinência — de esforço, de urgência ou mista — o TMAP é o tratamento de primeira linha recomendado pelas diretrizes da IUGA (International Urogynecological Association) e da ICS (International Continence Society). Vamos entender o porquê logo a seguir.

👉 Leia também: O que é incontinência urinária e seus principais tipos

Sistema nervoso somático x Sistema nervoso autônomo

Todas as funções do nosso corpo são controladas, em grande parte, por dois sistemas principais: o sistema nervoso periférico somático e o sistema nervoso autônomo.

O sistema nervoso periférico é o responsável por tudo aquilo que fazemos de forma voluntária, ou seja, quando escolhemos realizar uma ação. É ele que nos permite decidir o momento de urinar ou evacuar, e também segurar até encontrar o local adequado. Essa capacidade de tomar decisões conscientes depende diretamente da ação desse sistema, que está ligado à nossa vontade.

Já o sistema nervoso autônomo trabalha de forma automática, sem que a gente precise pensar sobre isso. Ele regula diversas funções vitais, como o batimento do coração, a digestão e, nesse contexto, o desejo miccional — ou seja, aquela vontade de fazer xixi — e a percepção de que a bexiga está cheia. É ele quem envia o aviso de que já há líquido suficiente para ser eliminado, depois que o corpo filtrou o que não serve mais.

Podemos dizer, então, que urinar e defecar dependem de uma ação conjunta: de um lado, o sistema autônomo, que controla o músculo liso (presente na bexiga e no intestino), e de outro, o sistema nervoso periférico, que controla o músculo estriado, responsável por executar o ato de forma consciente. Em outras palavras, um sistema avisa quando é o momento de ir ao banheiro, e o outro decide quando realmente fazê-lo.

Assim como todos os músculos estriados do corpo, os músculos do assoalho pélvico (MAP) também precisam ser recrutados e exercitados. Quando isso não acontece, eles perdem fibras musculares, o que leva à diminuição do tônus e da força. Com o enfraquecimento, o MAP não consegue desempenhar corretamente seu papel de controle dos esfíncteres, favorecendo escapes urinários.

Mas nem sempre o problema está apenas na fraqueza muscular. Em alguns casos, a própria atividade física que realizamos gera um aumento importante da pressão intra-abdominal, que acaba superando a força do assoalho pélvico — e é aí que ocorre a chamada incontinência urinária de esforço. Para que o escape de urina aconteça, precisa haver esse aumento de pressão abdominal que ultrapassa a capacidade de contenção do MAP.

De todo modo, o caminho para ambos os casos continua sendo o mesmo: o Treinamento dos Músculos do Assoalho Pélvico (TMAP).
Quando o problema está na fraqueza, o foco é o fortalecimento; já quando a questão é a sobrecarga, o objetivo é aumentar a resistência muscular. Isso pode ser feito com pesinhos em forma de cone, que adicionam carga ao treino, ou ampliando o tempo de contração muscular durante os exercícios.

O importante é entender que tanto o controle da urina quanto da evacuação são resultados de uma cooperação precisa entre o corpo e o cérebro. Um sistema sente, o outro decide, e os músculos do assoalho pélvico executam. Quando essa harmonia se perde, é o treino — o TMAP — que ajuda a restaurá-la.

Como o TMAP funciona

O Treinamento dos Músculos do Assoalho Pélvico (TMAP) tem como objetivo fortalecer os músculos que controlam o xixi, o intestino e dão sustentação aos órgãos da pelve — como a bexiga, o útero (nas mulheres) e o reto.

Esses músculos funcionam como uma “rede de apoio” na base do tronco. Quando estão fortes e coordenados, conseguem segurar a urina, o gás ou as fezes quando precisamos, e relaxar no momento certo, quando decidimos ir ao banheiro. Mas quando estão enfraquecidos, podem ocorrer escapes de urina (principalmente ao tossir, pular ou rir), sensação de peso na pelve ou até dor.

Ao exercitar o assoalho pélvico, você:

  • Aumenta a força das fibras musculares que cercam a uretra e o ânus, melhorando o controle;

  • Reeduca o cérebro e o corpo para que aprendam a contrair e relaxar no momento certo;

  • Melhora a circulação sanguínea na região pélvica, o que favorece a recuperação muscular e a sensibilidade.

Com o tempo, esses músculos passam a se contrair automaticamente nos momentos em que há risco de escape, como ao espirrar, tossir ou levantar peso.

Como identificar o músculo certo

A maneira mais simples de identificar os músculos do assoalho pélvico é imaginar que você está tentando segurar o xixi no meio do jato, ou evitar soltar um gás. A contração que você sente “fechando por dentro” é o movimento correto. Mas atenção:

  • Não faça o exercício com a bexiga cheia ou interrompendo o xixi de verdade, pois isso pode causar infecção urinária.

  • É apenas uma forma de sentir e reconhecer o músculo na primeira vez.

Como fazer o exercício corretamente

  1. Encontre uma posição confortável.
    No início, é mais fácil deitada, com os joelhos dobrados e os pés apoiados no chão. Com o tempo, você pode sentar-se ou se pôr em pé.

  2. Contraia o assoalho pélvico.
    Imagine que está tentando segurar o xixi e o pum ao mesmo tempo, puxando suavemente os músculos “para dentro e para cima”.

  3. Mantenha a contração por 5 segundos.
    Respire normalmente e evite prender o ar. Sinta como se a região interna estivesse “segurando”.

  4. Relaxe por 5 segundos.
    Solte completamente os músculos, como se deixasse tudo “cair” e ficar leve. Relaxar é tão importante quanto contrair!

  5. Repita 10 vezes.
    Isso equivale a uma série. Você pode fazer 2 a 3 séries por dia.

Com o tempo, vá aumentando gradualmente o tempo de contração (até 10 segundos) e o número de repetições, desde que não ultrapasse 200 contrações diárias.

Treinando a coordenação: o “The Knack”

Um passo importante é aprender a contrair antes de aumentar a pressão abdominal — por exemplo, antes de tossir, espirrar, rir, pular ou levantar peso. Isso se chama “The Knack”, e é uma espécie de reflexo treinado. Você pensa: “vou tossir” → contrai o assoalho pélvico → tosse → e só depois relaxa.
Assim, a contração impede que a pressão empurre a urina para fora. Com a prática, seu corpo começa a fazer isso automaticamente, sem que você precise pensar.

Quanto tempo leva para dar resultado

Os músculos do assoalho pélvico são como qualquer outro: precisam de treino regular para ganhar força. Normalmente, os primeiros resultados aparecem entre 6 a 8 semanas, mas o ideal é manter o treino por pelo menos 12 semanas.
Depois disso, é só manter — como se fosse uma “academia” da pelve.

Cuidados importantes

  • Mantenha a respiração natural — nada de prender o ar.

  • Evite contrair as pernas ou os glúteos, concentre-se apenas no MAP.

  • Faça em momentos fixos do dia: ao acordar, antes de dormir ou depois do banho.

  • Se tiver dúvidas sobre se está fazendo certo, procure uma fisioterapeuta pélvica — ela pode usar o biofeedback, que mostra no computador se a contração está correta.

Passo a passo prático

1. Avaliação inicial

Feita por profissional (fisioterapeuta pélvica). Mede força, coordenação, capacidade de relaxar e identifica fraquezas ou desconfortos.

2. Treino supervisionado
  • Frequência ideal: 2–3 sessões semanais supervisionadas

  • Complemento: exercícios em casa quase todos os dias

  • Duração recomendada: 8 a 12 semanas para resultados visíveis

3. Recursos auxiliares
  • Biofeedback (pode ser o manual barométrico ou o eletromiográfico)

  • Cones vaginais (com pesos de 20g até 210g, dependendo da força do músculo)

  • Dispositivos de percepção e aderência (aplicativos de celulares ou diários manuais)

4. Relaxamento também é treino

Contração sem relaxamento gera tensão excessiva → pode causar dor, espasmos e reduzir benefícios. Aprenda a ir aos dois extremos das capacidades dos músculos: contração e relaxamento.

👉 Leia também: Erros comuns no treino do assoalho pélvico

Por que tudo isso importa?

Porque você não precisa aceitar os escapes como algo “normal” da idade, da gravidez ou do pós-parto. A boa notícia é que a ciência já mostrou o contrário. Mulheres que seguem programas bem orientados de Treinamento dos Músculos do Assoalho Pélvico (TMAP) sentem na prática o quanto o corpo pode se transformar. Elas relatam:

✔️ Menos episódios de vazamento, até mesmo durante atividades físicas;
✔️ Mais liberdade e confiança para se movimentar sem medo;
✔️ Melhor autoestima e sensação de controle sobre o próprio corpo;
✔️ E, acima de tudo, uma nova relação com o seu bem-estar íntimo e diário.

E não é discurso de motivação ou promessa de internet. São evidências científicas sólidas, reconhecidas por instituições internacionais como a IUGA (International Urogynecological Association) e a ICS (International Continence Society). Você não precisa se adaptar ao desconforto — seu corpo é capaz de reaprender, se fortalecer e te devolver o controle.

O TMAP é o caminho. E o primeiro passo é acreditar que o cuidado com o seu corpo é uma forma de respeito e liberdade.

Perguntas Frequentes

1. A incontinência urinária deixa de acontecer se eu fizer o TMAP?
Na maioria dos casos, sim — muitas mulheres relatam desaparecimento ou redução muito significativa dos vazamentos. Mas depende do grau da disfunção, do tempo de prática, e do acompanhamento profissional.

2. Quanto tempo leva para notar melhora?
Os primeiros resultados costumam aparecer entre 4 a 8 semanas, com prática regular. Mas para mudanças mais duradouras, é ideal manter 8 a 12 semanas de treino orientado.

3. Posso fazer em casa sozinha ou preciso sempre de profissional?
Você pode e deve fazer exercícios em casa como complemento. Mas a supervisão de um profissional especializado (fisioterapeuta pélvico) aumenta muito as chances de resultados corretos e seguros — ajuda a corrigir postura, ativação, evitar compensações.

4. Dói ou é desconfortável fazer?
Não deveria causar dor. No início pode haver leve sensação de cansaço ou “trabalho interno”. Se sentir dor aguda, peso, ardência ou desconforto persistente, é importante procurar orientação profissional.

5. Se não estiver fraco o músculo, como acontece a incontinência?
Nem sempre a causa é fraqueza pura. Às vezes, a pressão dentro do abdome (em exercícios físicos, tosse, pulo) excede o que o MAP consegue conter — isso gera vazamento. Ou seja: é questão de força + resistência + coordenação.

6. Posso treinar se estiver grávida ou após o parto?
Sim, muitos programas de TMAP são adaptados para gestantes e puérperas, respeitando os limites do corpo. É essencial que haja avaliação individual e liberação médica antes de começar.

7. Há contra-indicação?
Sim — se houver infecção urinária ativa, dor pélvica intensa, condições neurológicas agudas sem acompanhamento ou lesões não tratadas. Nesses casos, é necessária avaliação médica antes.

8. E se o TMAP não resolver completamente?
Se mesmo com treino bem orientado ainda houver sintomas, outras estratégias podem ser incorporadas: biofeedback, cones vaginais, ajustes na carga do treino, terapias complementares ou até avaliação médica para opções adicionais.

9. Até que idade funciona?
O TMAP é eficaz em qualquer idade — desde jovens até pessoas idosas. A musculatura responde bem ao estímulo, com efeito maior quanto mais cedo houver intervenção — mas nunca é tarde demais para começar.

10. Tenho que treinar para sempre?
Ao alcançar resultados, passa-se para a fase de manutenção, com menos volume de treino, mas continua para manter o ganho. Parar totalmente pode levar à perda progressiva da força.

Por fim...

A incontinência urinária não é um problema isolado — ela afeta milhões de brasileiros e representa um desafio significativo de saúde pública. Estudos recentes apontam que cerca de 30% da população brasileira já sofre com algum grau de incontinência urinária, sendo as mulheres a maioria dos casos (aproximadamente 68% dos afetados) bigfral.com.br.

Em mulheres, estudos regionais mostram prevalência de até 40,8% em determinada faixa etária, com incontinência de esforço como tipo mais frequente revistaestima.com.br. Em populações idosas, dados revelam que entre 31,1% e até 69,5% das mulheres apresentam sintomas de incontinência urinária rbsp.sesab.ba.gov.br.

Esses números demonstram que o problema é mais comum do que muitos imaginam — e que silenciamento ou vergonha acabam atrasando o diagnóstico e o tratamento.

Quando bem orientado e praticado regularmente, o Treinamento dos Músculos do Assoalho Pélvico (TMAP) oferece uma resposta efetiva e fundamentada cientificamente para muitos casos. Ele pode transformar episódios constrangedores em controle confiável e retomar a liberdade de fazer atividades físicas, sorrir, tossir ou espirrar sem receio.

Portanto, mais do que teoria, esses dados brasileiros reforçam uma mensagem urgente e positiva: não é normal conviver com vazamentos — há caminho de recuperação e muitos brasileiros já estão encontrando esse caminho com o TMAP. Eu espero ter ajudado você com este tema!

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👉 Acompanhe também: Exercícios específicos para I.U.: parte 2

Referências:
  • Abrams P, Cardozo L, Wagg A, Wein A, et al. ICS 2024 International Continence Society Standardisation Report on the Management of Urinary Incontinence. Neurourol Urodyn. 2024.

  • Dumoulin C, et al. Pelvic floor muscle training versus no treatment for urinary incontinence in women: a Cochrane systematic review. Cochrane Database Syst Rev. 2022; Issue 5.

  • Hagen S, Stark D. Conservative prevention and management of pelvic organ prolapse in women. Cochrane Database Syst Rev. 2021; Issue 12.

  • Bø K, Berghmans B. Evidence-based physical therapy for the pelvic floor: bridging science and clinical practice. Elsevier; 2021.

  • Dumoulin C, Cacciari LP, Hay-Smith EJC. Pelvic floor muscle training versus no treatment, or inactive control treatments, for urinary incontinence in women. Neurourol Urodyn. 2023.

  • Imamura M, et al. Systematic review and economic modelling of the effectiveness and cost-effectiveness of non-surgical treatments for women with stress urinary incontinence. Health Technol Assess. 2021.

  • Instituto de Pesquisas e Consultoria IPEC; Bigfral. Pesquisa Bigfral-IPEC sobre prevalência de incontinência urinária e dermatite associada à incontinência no Brasil. São Paulo (BR): IPEC; 2023. Disponível em: https://www.bigfral.com.br/pesquisa-bigfral-ipec-sobre-prevalencia-de-incontinencia-urinaria-e-dermatite-no-brasil-divulga-dados-ineditos/