Dor na relação sexual é comum — mas nunca deve ser normal
Você sente dor durante ou após a relação sexual seja com um parceiro ou mesmo sozinha em atividades como masturbação? Talvez tenha alguns aspectos do corpo humano que você precisa conhecer para iniciar sua jornada de autoconhecimento em direção ao prazer sem dor!
Fisioterapeuta Pélvica Joyce Andrade Oliveira
10/27/20247 min read


Sendo curta e direta
Não! Dor na relação sexual nunca é normal.
Qualquer desconforto durante ou logo após o sexo precisa ser investigado. Clinicamente, esse sintoma é chamado de dispareunia — termo usado para descrever diferentes tipos de dor genital associada à atividade sexual. Embora seja mais frequente em mulheres, homens também podem ser afetados.
Vivemos no século XXI, mas ainda carregamos uma herança cultural pesada: a ideia de que sentir prazer é algo “pecaminoso” fora de relacionamentos oficiais, e “dispensável” ou "opcional" dentro do casamento. Além disso, persiste o mito de que a afinidade sexual deve surgir naturalmente no primeiro ato, como se fosse uma obrigação imediata — quando, na verdade, o prazer é uma construção, feita de comunicação, segurança e autoconhecimento.
Muitas pessoas preferem o silêncio ao diálogo, acreditando que “é assim mesmo” ou que um dia “vai melhorar sozinho”. No entanto, falar sobre o que não agrada é o primeiro passo para transformar a experiência.
Mesmo casais que se consideram livres dos julgamentos sociais quando dentro de seus pares — como se possa esperar dentro da comunidade LGBTQIAPN+ — ainda enfrentam dores, desconfortos e constrangimentos quando o assunto é sexualidade. É comum acreditar que sentir dor faz parte ou que o próprio corpo “não foi desenhado para o prazer”.
Mas o corpo humano, independentemente de gênero ou orientação, foi feito para o prazer e o bem-estar. E quando há dor, o sinal é claro: algo precisa de cuidado.
Quem definiu isso?
A ciência também precisou organizar o jeito de falar sobre dor na relação sexual. Em 2003, a pesquisadora Rosemary Basson e suas colegas trouxeram uma definição que utilizamos hoje em dia: dispareunia é a dor genital persistente ou recorrente associada à atividade sexual. Na prática, isso significa que não basta ser uma dor isolada ou um incômodo passageiro — quando ela se repete, começa a atrapalhar o prazer ou a vida íntima, precisa ser investigada.
Os termos dispareunia superficial e dispareunia profunda são usados principalmente para descrever dor genital associada à penetração vaginal em pessoas com vulva. E é importante saber que essa dor pode aparecer em lugares diferentes:
Superficial → quando a dor está logo na entrada da vagina ou na vulva, geralmente já nos primeiros momentos da penetração. Muitas mulheres descrevem como ardência, queimação ou uma sensação de “corte” na pele.
Profunda → quando a dor surge mais “lá dentro”, na pelve, no útero ou no abdome, especialmente em penetrações mais intensas ou profundas. Algumas pacientes contam que parece uma cólica forte ou um peso no baixo ventre.
No entanto, o conceito de dispareunia em si — “dor genital persistente ou recorrente associada à atividade sexual” — é mais amplo e pode se aplicar a qualquer gênero e a qualquer tipo de prática sexual (vaginal, anal ou até mesmo peniana). Ter essas palavras em mente ajuda muito na consulta, porque em vez de dizer apenas “dói”, você consegue explicar onde e como dói — e isso já orienta bastante o diagnóstico.
Em relações anais, também pode haver dor superficial (na borda anal) ou profunda (no reto ou região pélvica), e clinicamente pode ser classificada como dispareunia anal — embora, na literatura, nem sempre se use esse termo com frequência. Em pessoas com pênis, a dor durante ou após o sexo também é chamada de dispareunia masculina. Essa dor pode ocorrer:
na glande (cabeça do pênis), prepúcio ou uretra → dor superficial;
mais internamente, no períneo, testículos ou região pélvica → dor profunda.
Como falar sobre a sua dor
Um dos maiores desafios para quem sente dor durante o sexo é traduzir o que se sente em palavras.
Essas perguntas podem ajudar a observar e descrever melhor o que está acontecendo:
• Identifique corretamente as partes do seu corpo. Saiba diferenciar vulva, vagina, glande, pênis, escroto e ânus.
• Perceba onde dói. Observe com atenção o ponto exato do desconforto.
• Quando dói? No início da penetração, durante, em determinadas posições ou apenas no final?
• O que a dor provoca? Ela impede o prazer, o orgasmo ou afasta a vontade de ter intimidade?
• Ela muda? É sempre igual ou varia conforme o contexto emocional, físico ou com o(a) parceiro(a)?
Evite frases genéricas como “dói tudo” — quanto mais detalhado for o seu relato, mais fácil será para o(a) profissional identificar a causa e indicar o melhor tratamento.
O que pode causar a dispareunia?
Dispareunia profunda
Dor pélvica que surge durante a penetração vaginal mais intensa ou profunda.
As possíveis causas incluem:
Infecções pélvicas, como salpingite, endometrite ou anexite;
Alterações uterinas, como miomas, hipermobilidade uterina ou tumores ovarianos;
Endometriose e aderências pélvicas;
Síndrome da bexiga dolorosa, síndrome do intestino irritável ou hemorroidas;
Síndrome de congestão pélvica ou fibromialgia.
Dispareunia superficial
Dor localizada na entrada da vagina ou na vulva, geralmente perceptível logo no início da penetração.
As possíveis causas incluem:
Infecções vulvovaginais, como candidíase, vaginose bacteriana ou tricomoníase;
Dermatites e doenças de pele vulvar, como líquen escleroso e líquen plano;
Secura vaginal decorrente da queda de estrogênio, especialmente na menopausa;
Uso de certos medicamentos, como psicotrópicos e anti-hipertensivos;
Doenças crônicas, como diabetes e neuropatias, ou fatores emocionais, como traumas, depressão e conflitos conjugais;
Cicatrizes pós-parto ou episiotomias mal cicatrizadas.
Importante: apesar da lista parecer longa, geralmente uma única causa já explica a dor.
Por isso, a avaliação clínica é indispensável para identificar a origem e indicar o tratamento adequado.
O que fazer na prática
1. Reconheça que dor não é normal.
Nenhuma dor durante ou após o sexo deve ser aceita como “parte do processo”. O primeiro passo é romper com a ideia de que sentir dor é algo natural.
2. Mapeie seus sintomas.
Observe com atenção o que sente e quando sente.
Use perguntas como as que listamos acima — isso ajuda a entender o padrão da dor e a identificar possíveis causas.
3. Leve informações detalhadas ao(à) profissional.
Relatar onde, quando e como a dor aparece aumenta muito as chances de um diagnóstico preciso e de um tratamento realmente eficaz.
4. Busque acompanhamento multidisciplinar.
Além da ginecologia, a fisioterapia pélvica tem papel fundamental na recuperação da função muscular, na melhora da circulação local e no alívio da dor.
Em alguns casos, o acompanhamento psicológico também pode ajudar na reconstrução da confiança e da relação com o próprio corpo.
Perguntas frequentes
1. Homens também podem sentir dor na relação sexual?
Sim. A dor durante ou após o sexo em homens pode estar relacionada a inflamações (como prostatite), pós-cirurgias, tensão ou disfunção do assoalho pélvico, infecções urinárias ou até causas emocionais (como ansiedade e estresse).
Quando a dor é repetitiva, deve sempre ser avaliada por um urologista ou fisioterapeuta pélvico.
2. Toda dor na relação é sinal de doença grave?
Nem sempre. Algumas causas são simples, como ressecamento vaginal, infecções passageiras ou uso de medicamentos. Mas a dor nunca deve ser ignorada, pois também pode estar ligada a endometriose, alterações hormonais ou disfunções musculares.
Somente a avaliação clínica consegue identificar a origem real.
3. Usar lubrificante resolve o problema da dor?
Depende da causa. Se a dor está ligada à falta de lubrificação natural, o uso de lubrificantes à base de água ou de silicone pode trazer alívio imediato.
Porém, se a dor continuar mesmo com o uso do produto, é sinal de que há outras causas envolvidas — como tensão muscular, alterações hormonais ou cicatrizes — e é preciso investigar com um profissional.
4. Fisioterapia pélvica realmente ajuda na dor sexual?
Sim, e muito! A fisioterapia pélvica é uma das abordagens mais eficazes para tratar a dispareunia.
Por meio de técnicas de relaxamento, liberação miofascial, exercícios de consciência corporal e fortalecimento do assoalho pélvico, é possível recuperar o conforto e o prazer sexual de forma segura e gradual.
5. Dor na primeira relação é normal?
Uma leve sensibilidade pode ocorrer por tensão ou falta de lubrificação, mas dor intensa e recorrente nunca é normal. Se o desconforto se repetir nas próximas tentativas, é importante procurar avaliação — pode ser dispareunia, vaginismo ou outro fator físico e emocional.
6. Dor durante o sexo anal também é dispareunia?
Sim. A dispareunia é o termo médico para dor genital associada à atividade sexual, independentemente da via (vaginal, anal ou peniana).
A dor anal pode estar ligada à tensão muscular, fissuras, hemorroidas ou falta de lubrificação — e deve ser abordada com cuidado, respeito e acompanhamento especializado.
7. Dor pode ter relação com fatores emocionais?
Sim. O corpo e a mente estão conectados. Situações de ansiedade, estresse, trauma, depressão ou conflitos conjugais podem influenciar a percepção de dor e a resposta do corpo durante o sexo.
Por isso, o tratamento ideal costuma envolver um olhar multidisciplinar, com ginecologia, fisioterapia pélvica e psicoterapia.
Erros comuns
Normalizar a dor como “parte da vida sexual”
Usar apenas analgésicos ou automedicação sem investigar a causa
Silenciar o problema por vergonha ou medo de julgamento
Supor que o parceiro(a) “vai se acostumar” com a situação
Achar que só a penetração importa — quando existem muitas formas de viver a sexualidade com prazer e sem dor
Sentir dor não é algo que se deve suportar em silêncio — é um sinal do corpo pedindo atenção e cuidado. A saúde sexual faz parte da saúde integral, e cuidar dela é um ato de amor-próprio.
Buscar ajuda especializada não é fraqueza, é um passo de coragem. Com o acompanhamento certo — médico, fisioterapêutico e emocional — é possível reconstruir a confiança, o prazer e a liberdade de viver o próprio corpo sem dor.
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Referências:
Basson R, et al. Classification of female sexual dysfunction: revisiting definitions. J Sex Marital Ther. 2003.
International Society for the Study of Women’s Sexual Health (ISSWSH). Guidelines on sexual pain disorders. 2022.
International Urogynecological Association (IUGA). Clinical guidance on pelvic floor dysfunction and dyspareunia. Int Urogynecol J. 2023.
International Continence Society (ICS). Pelvic floor dysfunction and sexual health guidelines. 2024.
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